No decorrer da primeira parte deste texto fiz algumas afirmações que podem parecer suposições, mas não são. Vou demonstrar aqui.
Para começar, vamos explicar como são montados os cadernos do Enem. A diagramação das provas do Enem obedece a um padrão fixo. Nenhuma questão pode começar em uma página e terminar em outra. Em uma página pode haver apenas uma questão ou podem ser diagramadas mais questões, raramente mais do que quatro. Estas páginas assim montadas são embaralhadas para compor os quatro tipos de prova diferenciadas por cores.
Por conta disso, o número de páginas dos cadernos é sempre o mesmo. As alternativas não são embaralhadas nem as questões mudam de lugar na página, de um tipo de prova para outro. Mas este modelo carrega uma perversidade:
Alguns tipos de prova podem ter muito mais questões difíceis no início do caderno e fáceis no final. Outro tipo de
caderno pode ter o inverso. Se o candidato resolve a prova questão a questão, na sequência do caderno, pode se deparar com um caderno com mais questões difíceis no início e precisará de muita motivação e autoestima para continuar com a mesma disposição. Já outra pessoa que receba um caderno com muitas questões fáceis no início, tenderá a prosseguir mais animado na resolução.
Como o modelo de TRI não avalia a habilidade “resiliência”, é como se os candidatos que receberam os dois cadernos diferentes estivessem em paridade. Eu considero que não estão.
Vamos avaliar os quatro cadernos da prova de Matemática de 2021: amarelo, azul, cinza e rosa. Chamemos as quinze questões com menor grau de dificuldade de “fáceis”, as quinze seguintes de “médias” e as quinze com maior grau de “difíceis”. Quem resolveu a prova rosa, se deu bem. Nas dez primeiras questões do caderno havia cinco fáceis, quatro médias e somente uma difícil.
Uma sequência destas deixa o candidato animado para continuar a fazer a prova toda. Mesmo os que perderam muito tempo durante a prova e chutaram as últimas foram beneficiados, pois nas dez últimas questões do caderno havia uma fácil, três médias e seis difíceis. Os que receberam a prova amarela também foram agraciados, pois as dez
primeiras questões também tinham cinco fáceis, quatro médias e uma difícil, com a vantagem adicional que as três primeiras questões eram fáceis e as três subsequentes eram médias. Um convite para que o candidato ficasse feliz com a prova. As dez últimas tinham duas fáceis, quatro médias, três difíceis e uma que foi anulada.
Já os que receberam os outros dois tipos de provas tiveram que remar contra a maré nas primeiras questões. Na prova azul, das dez primeiras eram três fáceis, três médias, três difíceis e uma anulada. Com a complicação adicional
que na primeira página eram duas questões, uma média e outra muitíssimo difícil e na segunda página era somente uma questão, que ao final foi anulada porque não tinha resposta correta.
Reflita comigo: se um candidato que opta por fazer as questões sequencialmente, ainda que bem-preparado, enfrenta de cara uma questão média, outra muito difícil, que provavelmente não consegue resolver e na sequência outra que não tem resposta, a chance que a moral dele fique abalada é alta, não é? Para completar o inferno astral deste candidato, a terceira página começava com uma questão fácil, mais duas médias e uma difícil.
Mesmo aqui, faço uma ressalva: o candidato precisa ter autoconfiança na sua preparação, pois usando o método que descrevi, ele provavelmente pularia as três primeiras, resolveria a quarta e pularia mais três na sequência, o que requer confiança e sangue frio, sabendo que mais à frente as questões fáceis aparecerão.
Completando a análise da prova azul, nas dez últimas questões do caderno havia cinco fáceis e cinco difíceis. Imagine o arrependimento de quem gastou preciosos minutos nas primeiras questões e, por falta de tempo, teve que chutar todas as últimas.
A prova cinza, por fim, ficou no meio-termo. Das dez primeiras cinco eram fáceis, quatro médias e uma difícil. Nas dez últimas, uma fácil, três médias e seis difíceis. A menos que você queira contar com a sorte, de que lhe caia um tipo de prova mais favorável, o método que apresentei na parte 1 do texto é comprovadamente mais seguro e serve como vacina contra um caderno de provas menos favorável.
(Você não é negacionista contra vacinas, não é? Valha-me Deus! Sou professor de Biologia!)