Se você abrir qualquer livro de história do colégio, a resposta para a pergunta “quem descobriu o Brasil?” é simples e direta: Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500. Essa é a versão que aprendemos, celebramos e que se tornou um marco na história brasileira. Mas será que a história é tão simples assim?
A verdade é que por trás dessa data e desse nome, existe um universo de contextos, controvérsias e outras narrativas que tornam o “descobrimento do Brasil” um evento muito mais complexo para seu aprendizado. A chegada dos portugueses foi um ponto de virada para o Brasil, mas para entender o seu real significado é preciso ir além da resposta padrão.
Neste artigo, vamos explicar todo o contexto histórico de quem descobriu o Brasil, explorar teorias, dar voz a quem já estava aqui e refletir sobre toda história que moldou a nossa nação. Confira a seguir!
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A chegada de Pedro Álvares Cabral
Para entender a chegada de Cabral, precisamos voltar ao século XV, o auge das Grandes Navegações. Nessa época, Portugal era uma potência marítima que desbravava oceanos em busca de novas rotas comerciais, especiarias e riquezas. O objetivo principal era chegar às Índias, um mercado valioso, contornando a África.
Foi nesse cenário que, em 9 de março de 1500, uma esquadra com 13 navios e cerca de 1.500 homens partiu de Lisboa sob o comando de Pedro Álvares Cabral. A missão oficial era seguir a rota de Vasco da Gama até Calicute, na Índia, para estabelecer relações comerciais.
No entanto, durante a viagem pelo Atlântico, a esquadra realizou um desvio significativo para oeste — um movimento que até hoje gera debates entre historiadores. Foi esse “desvio” que, em 22 de abril de 1500, levou os navios a avistarem um monte no horizonte, que foi batizado de Monte Pascoal, no litoral do que hoje é o sul da Bahia.
O primeiro contato com os habitantes da terra, os povos Tupiniquim, foi marcado por estranhamento e curiosidade de ambos os lados. Esse encontro foi minuciosamente relatado por Pero Vaz de Caminha, o escrivão da frota, em uma famosa carta ao rei de Portugal. Esse documento é considerado a “certidão de nascimento” do Brasil, descrevendo a terra como abundante em águas e belezas naturais, e seu povo como “pardo, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos”.
Após uma estadia de dez dias, onde foi rezada a primeira missa, a expedição de Cabral seguiu viagem para as Índias, deixando para trás o marco inicial da colonização portuguesa na América.
Tratado de Tordesilhas
O Tratado de Tordesilhas foi assinado em 1494, seis anos antes da data oficial do descobrimento, sendo um acordo entre Portugal e Espanha. Naquela época, as duas nações ibéricas eram as grandes rivais na exploração marítima. Portanto, para evitar conflitos sobre as terras “descobertas ou a descobrir”, eles recorreram à mediação do Papa e traçaram uma linha imaginária no mapa: um meridiano localizado a 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde.
Pelo acordo, todas as terras a leste dessa linha pertenceriam a Portugal, enquanto as terras a oeste seriam da Espanha. O interessante é que essa linha passava justamente sobre o território sul-americano, garantindo a Portugal a posse de uma parte do continente, que mais tarde viria a ser o Brasil.
A existência do Tratado de Tordesilhas alimenta uma das principais teorias sobre a descoberta do Brasil: a de que ela não foi um acidente. Muitos historiadores defendem que a Coroa Portuguesa já tinha conhecimento ou, no mínimo, fortes suspeitas da existência de terras nessa região do Atlântico. O desvio da esquadra de Cabral, portanto, teria sido uma manobra intencional para tomar posse oficialmente de um território que, pelo tratado, já lhes pertencia.
Teorias sobre a descoberta do Brasil
A versão de que Cabral chegou ao Brasil por acaso, desviado por uma calmaria, é a mais tradicional. Contudo, a historiografia moderna e pesquisadores apontam outras possibilidades que desafiam o relato oficial.
A principal teoria alternativa é a da intencionalidade: os defensores dessa ideia argumentam que o conhecimento náutico dos portugueses era avançado demais para um erro de navegação tão grande. A expedição de Cabral teria sido, na verdade, uma missão de reconhecimento e posse, planejada em segredo para não alertar a rival Espanha.
Além disso, há evidências de que outros navegadores europeus podem ter chegado ao litoral brasileiro antes de 1500. O espanhol Vicente Yáñez Pinzón, por exemplo, teria desembarcado no que hoje é a costa de Pernambuco em janeiro de 1500, meses antes de Cabral. Outro nome frequentemente citado é o do português Duarte Pacheco Pereira, que em seu livro Esmeraldo de Situ Orbis sugere ter explorado a costa brasileira já em 1498.
Essas teorias não diminuem a importância da expedição de Cabral, que foi a que efetivamente reclamou a terra para Portugal e iniciou o processo de colonização. No entanto, elas nos convidam a enxergar a história com um olhar mais crítico, entendendo que a “descoberta” foi parte de um complexo jogo geopolítico e de exploração.
Os nativos e a terra antes dos portugueses
Antes de 1500, o território que hoje chamamos de Brasil não era um vazio demográfico. Pelo contrário, era habitado por milhões de pessoas, distribuídas em centenas de nações e grupos étnicos com uma imensa diversidade cultural e linguística. Estima-se que a população nativa variava entre 2 e 5 milhões de habitantes.
Grupos como os Tupi, Guarani, Jê e Aruak ocupavam diferentes regiões, cada um com sua própria organização social, tradições, crenças e um profundo conhecimento do ambiente ao seu redor. Eles viviam em harmonia com a natureza, da qual tiravam seu sustento através da caça, pesca, coleta e de uma agricultura itinerante.
Essas nações nativas possuíam uma rica cultura, com complexos sistemas de parentesco, artefatos, rituais e uma rica tradição oral. A terra não era uma mercadoria a ser possuída, mas um lar coletivo, sagrado e essencial para a vida. Portanto, quando os portugueses chegaram, eles não encontraram uma terra virgem, mas um território com uma longa e rica história humana.
A controvérsia: invasão ou descobrimento?
Nos últimos anos, o uso do termo “descobrimento do Brasil” tem sido muito questionado. A crítica central é que a palavra “descobrir” carrega uma perspectiva eurocêntrica, ou seja, centrada na visão do europeu. Ela ignora o fato de que a terra já era conhecida e habitada por milhões de pessoas. Para os povos nativos, 1500 não foi o ano de uma descoberta, mas o início de uma invasão.
Atualmente, historiadores, ativistas indígenas e movimentos sociais defendem o uso de termos como “chegada dos portugueses”, “conquista” ou “invasão” para descrever o evento. Essa mudança de terminologia não é apenas um detalhe, mas uma forma de reconhecer a violência, a expropriação de terras e o genocídio que se seguiram à chegada da esquadra de Cabral.
Segundo o professor de história da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Fabrício Lyrio, a expressão “descobrimento do Brasil” é difícil de ser eliminada, mas o que ocorreu, na verdade, foi uma “invasão contínua”:
“Para a população que já estava habitando o continente da América, não teve nada a ver com descobrimento. Foi uma chegada de pessoas estranhas seguida de uma invasão. A disputa da palavra existe há muitos anos. Há uma versão oficial da história que sempre vai tentar trazer de volta o termo ‘descobrimento’. Talvez fosse, de fato, uma novidade para o europeu, mas para os povos nativos foi muito mais uma invasão”.
Chamar de “invasão” ressignifica o evento, tirando o protagonismo do navegador europeu e colocando em evidência as consequências devastadoras para as populações originárias. É um convite para pensarmos na história do Brasil não apenas a partir da chegada dos colonizadores, mas também sob a ótica daqueles que foram colonizados.
Para mudar essa visão romantizada sobre a chegada dos portugueses ao Brasil em 1500, o professor Fabrício Lyrio defende o papel dos livros didáticos e da atuação de professores e professoras em sala de aula, no debate sobre a versão oficial da História brasileira:
“Hoje temos muitos pesquisadores especialistas trabalhando na elaboração dos livros didáticos. E o próprio professor em sala de aula também contribui para essa desconstrução: que a história tem mais de um lado”.
Curiosidades sobre a descoberta do Brasil
A história da chegada dos portugueses é cheia de detalhes interessantes que muitas vezes passam despercebidos. Aqui estão algumas curiosidades:
- Ilha de Vera Cruz: o primeiro nome dado ao Brasil por Cabral foi Ilha de Vera Cruz, pois os portugueses acreditaram inicialmente ter chegado a uma grande ilha.
- De Ilha para Terra: pouco tempo depois, ao explorarem a costa, perceberam que se tratava de um continente e o nome mudou para Terra de Santa Cruz.
- A Primeira Missa: a primeira missa em solo brasileiro foi celebrada em 26 de abril de 1500, um domingo, por Frei Henrique de Coimbra.
- A Carta Perdida: a carta de Pero Vaz de Caminha, o documento mais importante sobre a chegada dos portugueses, ficou esquecida nos arquivos de Portugal por quase 300 anos, sendo publicada pela primeira vez apenas em 1817.
- Cabral não ficou: a esquadra de Cabral permaneceu no Brasil por apenas 10 dias. Em 2 de maio de 1500, eles levantaram âncora e seguiram viagem para o seu destino original, a Índia.
Como o nome ‘Brasil’ foi escolhido?
Se o primeiro nome foi Ilha de Vera Cruz e o segundo, Terra de Santa Cruz, por que hoje nos chamamos Brasil? A resposta está na economia.
O nome “Brasil” deriva do pau-brasil, uma árvore nativa da Mata Atlântica cuja madeira avermelhada era muito valiosa na Europa. Dela se extraía um corante de cor de brasa, usado para tingir tecidos de luxo. A exploração do pau-brasil se tornou a primeira grande atividade econômica dos portugueses na nova terra.
O interesse comercial pela madeira foi tão intenso que o nome popular “Terra do Brasil” acabou se sobrepondo aos nomes religiosos. A mudança reflete uma transição de mentalidade: a terra, que inicialmente tinha um valor simbólico e religioso, passou a ser vista principalmente por seu potencial econômico e de exploração.
Conclusão
A chegada dos portugueses em 1500 foi um dos eventos mais transformadores da nossa história, com um legado complexo e ambíguo que sentimos até hoje.
Por um lado, esse evento marcou o início da formação do Brasil como nação, com a fusão de culturas europeias, indígenas e, posteriormente, africanas, que resultou na rica diversidade cultural brasileira. A introdução da língua portuguesa, de novas tecnologias e de certas estruturas sociais são consequências diretas desse processo.
Por outro lado, o legado é também de violência e exploração. A colonização resultou na dizimação de milhões de indígenas por meio de doenças, guerras e escravidão. Deu início a um ciclo de exploração de recursos naturais que marcou profundamente nossa economia e meio ambiente. E, para sustentar essa exploração, foi implementado o brutal sistema de escravidão africana, uma das maiores manchas da nossa história.
Portanto, entender quem descobriu o Brasil é muito mais do que decorar um nome e uma data. É refletir sobre como esse acontecimento histórico que moldou nossa identidade, nossas desigualdades e os desafios que enfrentamos como nação.